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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O golem

de Jorge Luis Borges

Se (como afirma o grego no Cratilo)
O nome é arquétipo da coisa,
Nas letras de “rosas” está a rosa,
E todo o Nilo na palavra “Nilo”.

E, feitos de consoantes e vogais,
haverá um terrível Nome, que a essência
cifra de Deus e que a onipotência,
protege em letras, em sílabas perfeitas.

Adão e as estrelas souberam
no Jardim. A corrosão do pecado
(dizem os Cabalistas) tem apagado
e as gerações o perderam.

Os artifícios e a pureza do homem
não têm fim. Sabemos que houve um dia
em que o povo de Deus buscava o Nome
nas vigílias da Alfama.

Não à maneira de outras que uma vaga
sombra insinua na vaga história,
ainda está verde e viva a memória,
de Judá Leon, que era rabino em Praga.

Sedento de saber o que Deus sabe,
Judá León se deu a permutações
de letras e a complexas variações
E ao fim pronunciou o Nome que é a Chave,

A Porta, o Eco, o Hóspede, e o Palácio,
sobre um boneco que com torpes mãos
lavrou, para ensiná-lo os arcanos
das letras, do Tempo e do Espaço.

O simulacro alçou as sonolentas
pálpebras e viu formas e cores
que não entendeu, perdidos em rumores
e ensaiou temerosos movimentos.

Gradualmente se viu (como nós vimos)
aprisionado nessa rede sonora
de Antes, Depois, Ontem, Durante, Agora,
Direita, Esquerda, Eu, tu, Aqueles, Outros.

(O cabalista que oficiou de numem
a vasta criatura alcunhada de Golem;
estas verdades as refere Scholem
em um douto lugar de seu volume).

O rabí lhe explicava o universo
“Este é meu pé; este é o seu, esta a soga,”
E logrou, depois de anos, que a perversa
barreira bem ou mal a sinagoaga.

Talvez houve um erro na grafia
ou na articulação do Sacro Nome;
Apesar de tão alta feitiçaria,
Não aprendeu a falar o aprendiz dehomem.

Seus olhos, menos de homem que de cachorro
e farto menos de cachorro que de coisa
Seguiam o rabí pela duvidosa
penumbra das pedras do encerro.

Algo anormal e Tosco houve no Golem,
Já que a seu passo o gato do rabino
se escondia. (Esse gato não está em Scholem
mas, através do tempo, o adivinho).

Elevando a seu Deus mãos filiais,
As devoções de seu Deus copiava,
Ou, estúpido e sorridente, se cavava
em concaves zalemas orientais.

O rabí o via com ternura
e com algum horror. “Como (ele disse)
eu pude engendrar este penoso filho
e a inação deixei, que é a cordura?”

“Por que dei em agregar à infinita
série um símbolo mais? Para a vã
meada que no eterno se enovela,
dei outra causa, outro efeito e outra mágoa?”

Na hora da angústia e da luz vaga,
em seu Golem os olhos detinha.
Quem nos dirá as coisas que sentia
Deus ao ver seu rabino em Praga?

***

Surgiu essa semana durante os ensaios, sem participar em nenhum momento da concepção do projeto - acredito eu; mas se participou, gracias Borges.

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